Daniela Ventura
Quem tem cu, não tem de ter medo

Devo dizer que hoje o intestino ficou bem irritado com a minha pessoa: decidi fazer com que saísse da sua zona de conforto. Ele não gosta, nada, nada, nada. E faz questão de mo deixar bem claro. Desta vez, não lhe dei ouvidos. Ou tentei ao máximo não o fazer.
À medida que fui crescendo fui dando importância à noção de perigo, fui alimentando medos como o da dor, da morte, entre outros. Lembro-me de um exemplo claro de quando isto começou: quando era criança, sempre andei na ginástica e fiz desporto. Na tal ginástica, fazíamos uns saltos por cima de umas coisas cujo nome já nem me lembro. Será que foi noutra vida? Um dos exercícios exigia que déssemos um salto numa rampa para depois, darmos uma cambalhota por cima da tal coisa que parecia um lombo de um cavalo. Um dia, só assim, pensei: se enrolo mal o pescoço, posso parti-lo e não voltar a mexer-me. Devia ter 9 anos. A partir daí, comecei a ter medo de uma série de exercícios.
Para a dor foi a mesma coisa – nem sempre tive medo da dor. Fui uma criança com algumas complicações no sistema digestivo – tive de me submeter a exames médicos desagradáveis e dolorosos -, usei aparelho tendo de ir ao dentista várias vezes,… nunca reclamei da dor pois sabia que tinha de o fazer. Comecei a ter medo da dor quando fui morar sozinha aos 18 anos. Pude, pela primeira vez, recusar algo e comecei a encontrar-me.
Durante anos recusei-me (e ainda o faço com frequência) a sair da minha zona de conforto. Sempre que o faço, o intestino fica mesmo irritado e tenho de fugir para o WC mais próximo para ele se sentir seguro. É uma questão nervosa e mental. Uma vez ou outra, desafio-o. É como quem diz, desafio-me. Pretendo fazê-lo mais e mais. Ter medo e ficar enrolada sobre mim mesma é igual a não viver; é igual a sobreviver. Não quero mais isso para mim, não quero ser essa a mulher que o meu companheiro vê ao seu lado ou a futura mãe de hipotéticos filhos. Quero sentir conscientemente. Não quero pensar no medo que algo me faz, quero sentir medo (ou não) a fazê-lo. Quero que o meu leque de interesses e experiências sejam mais abrangentes do que viajar em livros e séries no meu sofá.
Por isso, quarta – um dia muito especial – fui experimentar Stand Up Paddle no mar da Caparica. Avisei o instrutor que tinha medo de levar com umas ondas valentes na tromba enquanto entrava para o mar – mas que sabia bem nadar e gostava de água. Não lhe disse que mesmo sabendo que não há tubarões por cá me assegurei que não tinha uma ferida a sangrar e que me contive de fazer um belo xixi na água – só para não correr o risco de ver uma barbatana a vir na minha direcção – nunca se sabe! Não me lembrei – antes de entrar na água e me afastar da costa – que se tivesse um ataque de pânico ou me sentisse mal não estava em local seguro e de fácil acesso. Lembrei-me disso quando já lá estava e tentei não dar importância a esse pensamento. Mas também me lembrei o quanto gosto de sentir a água fria na minha pele, de mergulhar, de desafios, de me sentir viva.